A nova declaração de benefícios tributários (Dirbi): redundância, aumento da complexidade e mais um exemplo de inversão da boa-fé tributária

Daniel Prochalski*

 

A malsinada Medida Provisória nº 1.227, publicada em 04/06/24 com a justificativa de compensar as perdas arrecadatórias decorrentes da manutenção da desoneração da folha de pagamento em 2024, em mais um infeliz exemplo de iniciativa ilegítima e meramente arrecadatória, foi nominada pelo Poder Executivo como “MP do Equilíbrio Fiscal”.

 

Vindo de um governo que não vem cumprindo as regras do “arcabouço fiscal” por ele mesmo criado, e que já representou uma mitigação do anterior “teto de gastos”, o apelido dessa MP seria cômico, se não fosse trágico…

 

Felizmente, e por força de uma legítima pressão feita a partir de uma incomum unanimidade entre os setores da economia, a parte mais polêmica da medida provisória – relativa aos dispositivos que limitavam a compensação de créditos de PIS/COFINS com outros tributos federais e que revogavam as hipóteses de ressarcimento e compensação de créditos presumidos dessas contribuições para diversas atividades – foi acertadamente rejeitada pelo Presidente do Congresso Nacional, sob os fundamentos da violação ao princípio da não-surpresa e seu corolário constitucional da noventena (art. 195, § 6º, CF), bem como ao princípio da não-cumulatividade, garantido pelo § 12 do art. 195 da CF.

 

Mas os demais dispositivos da MP 1.227 foram mantidos que, embora não tão gravosos como os que foram rejeitados, ainda assim partem de premissas inválidas e resultam em novas e abusivas obrigações aos contribuintes.

 

Um deles trata da alteração da competência para julgamento de processos administrativos envolvendo o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), da União para os municípios, o que também merece acertadas críticas, uma vez ser inequívoco que a imensa maioria dos entes locais não possui estrutura física ou normativa compatível com uma atividade tão importante para o exercício do direito de defesa pelos contribuintes.

 

Mas a parte mantida da MP 1.227, e que interessa ao presente artigo, diz respeito às novas condições para as pessoas jurídicas poderem usufruir de benefícios fiscais (art. 2º), para o que deverão informar à Receita Federal do Brasil (RFB), por meio de “declaração eletrônica, em formato simplificado”, tanto os “incentivos, as renúncias, os benefícios ou as imunidades de natureza tributária de que usufruir”, como também “o valor do crédito tributário correspondente”.

 

Ainda que caiba à RFB a regulamentação da declaração a ser entregue, a MP já estabeleceu as seguintes regras gerais para a concessão, o reconhecimento, a habilitação, a coabilitação e a fruição de incentivo, a renúncia ou o benefício de natureza tributária:

 

  • A regularidade da quitação de tributos e contribuições federais, perante o Cadin e o FGTS;

 

  • Inexistência de sanções decorrentes de: atos de improbidade administrativa, interdição temporária de direitos e atos lesivos à administração pública que tenham implicado na aplicação de sanções que resultem em vedação de recebimento de incentivos fiscais;

 

  • A adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE);

 

  • A regularidade cadastral perante a RFB.

 

E por força do princípio da legalidade tributária penal, a MP também já estabelece as penalidades aplicáveis à pessoa jurídica que “deixar de entregar ou entregar em atraso” a referida declaração, as quais, atente-se, serão calculadas “por mês ou fração, incidente sobre a receita bruta da pessoa jurídica apurada no período”:

 

I – 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor da receita bruta de até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);

 

II – 1% (um por cento) sobre a receita bruta de R$ 1.000.000,01 (um milhão de reais e um centavo) até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); e

 

III – 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) sobre a receita bruta acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

 

Como teto para a sanção, a aplicação dos percentuais acima não poderá resultar em penalidade superior a 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios fiscais.

 

No entanto, a MP prevê que, independente destas penalidades pela falta ou atraso na entrega da declaração, será ainda aplicada a multa de 3% (três por cento) sobre o valor omitido, inexato ou incorreto, não inferior a R$ 500,00 (quinhentos reais).

 

Como se vê, as penalidades são muito elevadas e, pensamos, desproporcionais em relação às hipóteses de infração.

 

Para o exercício da regulamentação, o § 1º do art. 2º da MP estabelece que cabe à RFB estabelecer: “I – os benefícios fiscais a serem informados; e II – os termos, o prazo e as condições em que serão prestadas as informações de que trata este artigo.”.

 

Pois bem. E no exercício dessa atividade, em 18/06/2024 a RFB publicou a Instrução Normativa nº 2.198, dispondo “sobre a apresentação da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária – Dirbi.”, que deve ser apresentada pelo e-CAC, mensalmente, até o 20º dia do segundo mês subsequente ao período de apuração, pelas pessoas jurídicas abrangidas pelos dezesseis grupos de benefícios indicados no anexo da norma: PERSE, RECAP, REIDI, reporto, óleo bunker, produtos farmacêuticos, desoneração da folha de pagamentos, PADIS, carne bovina, ovina e caprina – exportação e industrialização, café não torrado, torrado e seus extratos, crédito presumido nas operações com laranja, soja, carne suína e avícola e produtos agropecuários gerais.

 

Por outro lado, estão desobrigados de apresentar a Dirbi (i) a microempresa e a empresa de pequeno porte enquadradas no Simples Nacional, ressalvadas aquelas submetidas à Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta – CPRB; (ii) o microempreendedor individual; e (iii) a pessoa jurídica e demais entidades em início de atividade.

 

Deverão constar, da declaração (que é passível de retificação), as “informações relativas a valores do crédito tributário referente a impostos e contribuições que deixaram de ser recolhidos em razão da concessão dos incentivos, renúncias, benefícios e imunidades de natureza tributária”, os quais serão objeto de “procedimento de auditoria interna”.

 

E no que se refere ao IRPJ e à CSLL, as informações devem ser prestadas, (i) no caso de período de apuração trimestral, na declaração referente ao mês de encerramento do período de apuração; e (ii) no caso de período de apuração anual, na declaração referente ao mês de dezembro.

 

A IN RFB 2.198, como não poderia ser diferente, reitera as severas penalidades já previstas na MP 1.227, descritas acima, mas ressalva que não será aplicada a “multa de 3% (três por cento) sobre o valor omitido, inexato ou incorreto, não inferior a R$ 500,00 (quinhentos reais)”, no caso de “divergência do valor informado na Dirbi em razão de diferença de metodologia de cálculo adotada pelo contribuinte.”.

 

A excessividade na tipificação das multas ganha relevo ainda maior em relação à abusiva previsão retroativa desta nova obrigação acessória, uma vez que, relativamente aos períodos de apuração de janeiro a maio de 2024, a Dirbi deverá ser apresentada até o dia 20 de julho de 2024.

 

Ora, ainda que a IN RFB 2.198 tenha especificado os benefícios fiscais em seu anexo único, não há razoabilidade nesse prazo de até 20 de julho para a primeira declaração, considerando que as empresas estão sujeitas a uma nova obrigação acessória e com efeitos retroativos, para a qual será necessário que os seus setores fiscais organizem todas as informações a serem prestadas, em um curto espaço de tempo e ainda sem a disponibilização de orientações suficientes para o seu correto cumprimento.

 

Esse prazo já seria desarrazoado se a Dirbi fosse a única declaração a ser entregue no período. No entanto, até o último dia útil do mês de julho deverá ser entregue a Escrituração Contábil Fiscal (ECF), relativa ao ano-calendário anterior, que, inequivocamente é uma das mais declarações mais complexas e relevantes no âmbito federal, uma vez que se constitui na obrigação acessória que tem por objetivo interligar os dados contábeis e fiscais relativos à apuração do IRPJ e da CSLL.

 

A criação de mais obrigações acessórias tem avançado em sentido contrário não só à recente premissa de simplificação firmada para a aprovação da reforma tributária, mas à promessa feita pelo próprio Fisco com a implementação, em 2007, do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), cujo objetivo foi a simplificação da gestão fiscal e a eliminação de redundâncias na entrega de informações fiscais, mas que vem se desdobrando em uma série de obrigações, como, dentre outras, a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), Escrituração Contábil Digital (ECD) , Escrituração Contábil Fiscal (ECF), EFD-Contribuições, EFD ICMS/IPI, eSocial, EFD Reinf etc.

 

Nessa perspectiva, em 19/06/2024 o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), a Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (FENACON) e o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), enviaram um ofício à Receita Federal solicitando a exclusão da Instrução Normativa RFB 2198/2024, que cria a obrigatoriedade da Dirbi[1].

 

A justificativa, plenamente válida, é a de que, além da complexidade da declaração, os incentivos e benefícios fiscais já são informados em outros módulos do SPED e, assim, todas as informações necessárias para o controle pela fiscalização já constam da base de dados da Receita Federal e/ou dos órgãos tributários estaduais.

 

Portanto, não há legitimidade na atitude do Fisco federal, pois cria obrigação passível de elevadas penalidades para obter informações que já são enviadas em outras declarações.

 

A desnecessária criação de obrigações acessórias, como é o caso da Dirbi, viola frontalmente, ainda, a recente Lei Complementar nº 199/2023, norma geral tributária, lei nacional, portanto, que institui o “Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias”, e que já em seu art. 1º destaca a relevância da “emissão unificada de documentos fiscais eletrônicos” para o que “considerar-se-ão os sistemas, as legislações, os regimes especiais, as dispensas e os sistemas fiscais eletrônicos existentes, de forma a promover a sua integração, inclusive com redução de custos para os contribuintes”.

 

E, por fim, entendemos que a Dirbi representa mais um exemplo de inversão da boa-fé objetiva que deve presidir as relações entre o fisco e os contribuintes, pela qual ambas as partes devem agir com transparência, cooperação e respeito mútuo. Enquanto os contribuintes devem cumprir suas obrigações tributárias de modo íntegro, o fisco deve aplicar a legislação de forma justa e razoável, não sendo válido exigir que todos os contribuintes comprovem, a priori, que não são suspeitos de fraudes tributárias.


 

*Advogado (OAB/PR nº 22.848), com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba). Diretor do Comitê Tributário da Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta – ACIPG.

[1] Disponível em https://fenacon.org.br/atuacao-legislativa/entidades-contabeis-solicitam-exclusao-da-dirb-a-receita-federal