Impacto da dedução em dobro das despesas do PAT no IRPJ: oportunidades para empresas do lucro real
Daniel Prochalski
Ricieri Giovanni Piana
Com o aval do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o reconhecimento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), empresas tributadas pelo Lucro Real podem recuperar valores de IRPJ pagos a maior nos últimos 5 anos.
Empresas optantes pelo Lucro Real buscam a dedução de suas despesas para um menor ônus do Imposto de Renda e, muitas vezes, possuem significativos gastos com a alimentação de seus trabalhadores.
Nesse contexto o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), instituído em 1976, é reconhecido por unir dois propósitos essenciais: melhorar as condições nutricionais dos trabalhadores e, para incentivar essa adesão, oferecer um robusto benefício fiscal. A Lei nº 6.321/76, de fato, concedeu às empresas optantes pelo Lucro Real a possibilidade de deduzir os gastos com o PAT em dobro.
Por décadas, a Receita Federal do Brasil (RFB) adotou uma visão restritiva, sustentando que a dedução em dobro teria sido revogada em 1995 pela Lei nº 9.249, que reorganizou o IRPJ. Segundo o Fisco, por ser uma lei geral posterior, ela teria suprimido o benefício, de modo que a dedução não podia ser dobrada e deveria incidir sobre o tributo devido.
Os contribuintes, por sua vez, alegaram a manutenção dos termos da lei que instituiu o programa, defendendo que a apuração das despesas deveria ser dobrada e sua dedução incidiria sobre o lucro tributável. Por essa razão, levaram a tese ao Judiciário, que amadureceu uma posição favorável.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento de que a interpretação da Receita Federal estava equivocada, firmando sua posição com base em dois argumentos técnicos principais:
- A Lei do PAT (1976) possui natureza de lei especial, enquanto a Lei do IRPJ (1995) é uma lei geral. Uma lei geral posterior não revoga uma lei especial anterior, a menos que o faça expressamente, o que, no caso, não ocorreu;
- A Prova da Vigência do Benefício: O STJ notou que a Lei nº 9.532/97, ao alterar os limites do benefício do PAT dois anos após a suposta revogação, comprovou que o benefício continuava válido.
A compreensão desse mecanismo foi construída por meio de uma longa disputa tributária e a tese vitoriosa nos tribunais tornou-se uma oportunidade de alta segurança jurídica. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), inclusive, por meio do Parecer SEI nº 268/2023/MF, reconheceu a jurisprudência consolidada do STJ. De forma que a apuração do benefício é estruturado da seguinte forma[1]:
- Apura-se o lucro tributável da empresa;
- Dele, deduz-se o benefício fiscal consistente no dobro das despesas com o programa de alimentação.
O incentivo do PAT possui um teto: é limitado a 4% do IRPJ devido, aplicando-se tanto ao cálculo da alíquota base (15%) quanto ao adicional (10%), conforme o art. 5º da Lei nº 9.532/1997.
A PGFN incluiu o tema em sua “lista de dispensa de contestar e recorrer”. Em termos práticos, a própria União reconhece a vitória do contribuinte e não apresentará mais defesa ou recursos contra essa tese, tornando a recuperação judicial uma medida segura e consolidando a primeira vitória do contribuinte no que tange ao cálculo do benefício.
Ocorre que, mesmo diante desse reconhecimento, foram publicadas diversas regulamentações do IRPJ que, em verdade, visaram restringir a plenitude do direito do contribuinte, atribuindo diversas limitações à dedução em dobro.
Em especial, o Decreto nº 10.854/21 promoveu alterações no Regulamento do Imposto de Renda para, ilegalmente, limitar o alcance da Lei nº 6.321/76. Ele estabelece que as deduções somente são aplicáveis aos valores despendidos com trabalhadores que recebam até 5 (cinco) salários mínimos e, em relação aos demais, quando houver fornecimento de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva ou de fornecimento in natura, devendo, ainda, abranger apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor máximo de 1 (um) salário-mínimo.
Em face desse cenário, entendemos que as diversas alterações promovidas pelo Poder Executivo no referido Programa constituem tentativas ilegais e inconstitucionais de obstar o direito do contribuinte. Tais tentativas já vêm sendo reconhecidas pelos Tribunais Pátrios, como, por exemplo, afirma a Primeira Turma do TRF4[2]:
“Decretos regulamentares, como os de nº 78.676/1976, nº 5/1991, nº 349/1991, nº 9.580/2018 e nº 10.854/2021, que alteraram a sistemática da Lei nº 6.321/1976, limitando a dedução ao imposto devido ou impondo restrições a trabalhadores de baixa renda, extrapolaram o poder regulamentar e violaram o princípio da legalidade tributária, não sendo supridas por Leis nº 8.849/1994 e nº 9.532/1997.”
Com os sucessivos questionamentos ao Judiciário, seguidos de um consolidado posicionamento no sentido da ilegalidade das restrições previstas nos decretos regulamentares, a PGFN veio a se posicionar novamente. Mediante o Parecer SEI 1506/2024, foi novamente decretada a vitória da tese do contribuinte, de modo que, atualmente, se o contribuinte vir seu benefício limitado por esses dispositivos e questionar judicialmente, a Procuradoria está dispensada de contestar ou mesmo de interpor recurso, uma vez que reconhece a ilegalidade.
Mesmo com um entendimento cristalizado, esses benefícios não são aplicados de forma automática pela Fazenda, sendo necessário, na maioria dos casos, o pleito administrativo ou judicial para a garantia do benefício ou a recuperação do crédito diante do recolhimento a maior.
A tese se aplica a empresas que cumulativamente:
- São tributadas pelo Lucro Real;
- Apuraram Lucro Fiscal (ou seja, tiveram IRPJ a pagar);
- Estão regularmente inscritas no PAT junto ao Ministério do Trabalho e Emprego;
- Efetivam gastos com alimentação (refeições, vales, cestas);
- Não utilizam/utilizaram o benefício da dupla dedução em sua totalidade (seja por desconhecimento, seja por seguir a orientação restritiva da RFB e das posteriores regulamentações).
Diante desse cenário, uma empresa diligente que busca uma relevante economia tributária pode atuar em duas frentes claras e seguras. A primeira é o planejamento tributário – buscando, primeiramente, cadastrar-se no programa do PAT e garantir o direito de aplicar o benefício corretamente nas apurações futuras, afastando as restrições ilegais impostas pelos decretos.
E segunda, na hipótese de a empresa já ser credenciada do benefício, é buscar a recuperação dos valores de IRPJ pagos indevidamente em períodos anteriores, onde a tese favorável já se encontra consolidada.
Para ambas as frentes, uma análise jurídica pautada pela legalidade e pela defesa dos direitos do contribuinte é fundamental para quantificar o potencial de recuperação e economia tributária, estruturando, assim, a estratégia mais adequada para combater a interpretação restritiva das regulamentações do benefício fiscal.
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Daniel Prochalski
Advogado (OAB/PR nº 22.848), com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba).
Ricieri Giovanni Piana
Estagiário de Direito; Graduando da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Presidente da Liga Acadêmica de Direito Tributário da UEPG.
[1] Método descrito no julgado (STJ -AgInt no REsp n. 2.175.146/SC, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 30/4/2025, DJEN de 7/5/2025.)
[2] (TRF4, AC 5007845-03.2025.4.04.7201, 2ª Turma , Relatora para Acórdão MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE , julgado em 17/10/2025)