ITBI Progressivo em Ponta Grossa: uma análise sobre a nova Lei nº 15.586/2025

Daniel Prochalski

Ricieri Giovanni Piana

 

A aprovação da Lei Municipal nº 15.586/2025, em Ponta Grossa-PR, reacendeu um antigo debate no direito tributário: a constitucionalidade da progressividade das alíquotas do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). A nova legislação modifica o Código Tributário Municipal, alterando a alíquota única de 2% e prevendo um regime progressivo que eleva o imposto para imóveis de maior valor.

As mudanças, detalhadas no Artigo 244-A, estabelecem um cálculo escalonado:

“Art. 244-A O imposto será calculado sobre o valor da base de cálculo, aplicando-se as seguintes alíquotas: (NR)” I – 2,0% (dois por cento) para as transmissões de imóveis cujo valor de avaliação seja inferior a 8.700 Valores de Referência Municipal (VR). (AC) II – 2.5% (dois e meio por cento) para as transmissões de imóveis cujo valor de avaliação seja igual ou superior a 8.700 Valores de Referência Municipal (VR). (AC)”

Considerando que o Valor de Referência (VR) de Ponta Grossa está fixado em R$ 115,27, conforme Decreto 14335/2024, a nova alíquota de 2,5% passa a incidir sobre imóveis avaliados em R$1.002.849,00 (um milhão e dois mil e oitocentos e quarenta e nove reais) ou mais a partir do ano que vem.

A controvérsia jurídica em torno dessa mudança reside na ausência de previsão constitucional expressa para a progressividade do ITBI. Via de regra, a progressividade tributária é permitida apenas para impostos com essa autorização específica no texto constitucional, como o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).

Por muito tempo, o debate parecia encerrado com a Súmula 656 do Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou inconstitucional a progressividade do ITBI:

Súmula 656-STF: “É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel.”

No entanto, posteriormente, o próprio STF relativizou esse entendimento. No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 562.045 de 2013, ao tratar da progressividade do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), a Corte estendeu a possibilidade da aplicação da progressividade para outros impostos com base no princípio da capacidade contributiva e da isonomia.

Esse julgado é o principal argumento daqueles que defendem a constitucionalidade do ITBI progressivo, como se observa em algumas decisões do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. ITBI. […] ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PROGRESSIVIDADE DO ART. 50, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI COMPLEMENTAR 40/2001 DO MUNICÍPIO DE CURITIBA. NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA 656 DO STF. ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL NO JULGAMENTO DO RE 562.045. PRECEDENTE QUE EMBORA TRATE DA POSSIBILIDADE DE PROGRESSIVIDADE NO CASO DO ITCMD ADMITIU A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A TODOS OS IMPOSTOS, INDEPENDENTEMENTE DE SUA NATUREZA. […] RECURSO PROVIDO. (TJPR – 2ª Câmara Cível – 0004128-11.2015.8.16.0004 – Curitiba – Rel.: DESEMBARGADOR ANTONIO RENATO STRAPASSON – J. 02.10.2018)

Apesar disso, a controvérsia não foi superada. A progressividade do ITBI continua sendo contestada com base na Súmula 656 do STF, e tribunais de outros estados, como o Tribunal de Justiça de Santa Catarina[1] e do Rio Grande do Sul[2], persistem em declarar a inconstitucionalidade da medida.

Diante desse cenário de insegurança jurídica, nosso entendimento é que a nova lei municipal de Ponta Grossa, ao instituir a progressividade das alíquotas, confronta diretamente o entendimento sumulado do Supremo Tribunal Federal, que deve prevalecer. A progressividade do ITBI, além de não ter amparo constitucional, pode representar um desestímulo aos maiores investimentos e onerar indevidamente os contribuintes.

Além disso, a capacidade contributiva é adequadamente respeitada quando o valor do imposto é proporcional ao preço de venda do imóvel.

Por fim, cumpre destacar que também foi aprovada a Lei nº 15.576/2025, na qual foi prevista uma redução da alíquota de ITBI para 1%, em caso de pagamento à vista, referente aos fatos geradores, ou seja, dos registros imobiliários, ocorridos até 05 de dezembro de 2025, podendo servir de oportunidade para aqueles contribuintes que registrem a negociação imobiliária até o final do ano.

Portanto, é fundamental que as partes envolvidas em uma transmissão de bens imóveis desse porte em Ponta Grossa busquem uma análise jurídica aprofundada para avaliar a possibilidade de questionar judicialmente a cobrança da alíquota majorada.

 

Daniel Prochalski

Advogado (OAB/PR nº 22.848), com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba).

 

Ricieri Giovanni Piana

Estagiário de Direito. Graduando da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Presidente da Liga Acadêmica de Direito Tributário da UEPG.

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2 TJ-SC – Apelação: 50045222520248240058, Relator.: Júlio César Knoll, Data de Julgamento: 04/02/2025, Terceira Câmara de Direito Público. TJ-RS – ADI: 70085681443 SANTIAGO, Relator.: Ney Wiedemann Neto, Data de Julgamento: 02/12/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 20/01/2023.

TJSC, RECURSO CÍVEL n. 5007879-13.2024.8.24.0058 , do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edson Marcos de Mendonça , Segunda Turma Recursal, j. 10-06-2025.

TJSC, RECURSO CÍVEL n. 5006171-25.2024.8.24.0058 , do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Edson Marcos de Mendonça , Segunda Turma Recursal, j. 11-02-2025.

3 TJRS, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70085681443, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto , Julgado em: 02-12-2022.