O direito à dedução dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP) apurados em exercícios anteriores
Por: Daniel Prochalski*
O artigo 9º da Lei nº 9.249/95 positivou o direito à dedução dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP), na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) pelo regime do Lucro Real, quando “pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP”.
Pouco tempo depois do advento dessa norma, foi editada a Lei nº 9.430/96, que revogou o § 10 do referido art. 9º, passando a permitir, portanto, a dedução dos JCP também da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Em outras palavras, os JCP se constituem em um pagamento feito pelas empresas aos seus sócios ou acionistas, como um instrumento para incentivar os investimentos, podendo ser pagos em dinheiro ou creditados mediante capitalização, disponibilizando ações ou quotas ao investidor.
Embora a lei estabeleça a retenção na fonte pela alíquota de 15%, suportada pelo beneficiário – sendo uma antecipação do imposto posteriormente devido caso o beneficiário também seja pessoa jurídica tributada com base no lucro real, mas tributação definitiva caso o beneficiário seja pessoa física ou pessoa jurídica não tributada com base no lucro real, inclusive isenta – a opção pelos JCP reduz a carga tributária da empresa pagadora em até 34%, uma vez que, como visto, são dedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, no regime do lucro real.
Assim, é uma estratégia potencialmente mais vantajosa do que a distribuição de lucros, pois ainda que esta seja isenta para o beneficiário, nos termos do art. 10 da mesma Lei nº 9.249/95, os dividendos não são dedutíveis na apuração do lucro real.
Neste artigo, tratamos especificamente da controvérsia relativa a qual exercício os JCP devem ou podem ser considerados dedutíveis, uma vez que o fisco federal sempre defendeu que os valores pagos em exercícios posteriores ao de sua apuração, os chamados JCPs retroativos, não poderiam ser considerados como dedutíveis para fins de apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
A interpretação da Receita Federal do Brasil, prevista no art. 29 da Instrução Normativa SRF nº 11/96 e no art. 76 da IN RFB nº 1.700/2017 – pelo qual os JCP seriam dedutíveis segundo o regime de competência – é manifestamente ilegal, uma vez que o precitado art. 9º da Lei nº 9.249/95 não estabelece nenhum limite temporal para a consideração dos valores no lucro real.
As causas para as empresas não pagarem os JCP no próprio exercício são diversas. A decisão pode decorrer de planejamento tributário legítimo, mediante opção em exercício no qual o montante do resultado pode revelar uma dedução mais benéfica do que em outro período, ou mesmo por planejamento financeiro, como ocorreu, por exemplo, com o contingenciamento de despesas nos anos da pandemia.
O que releva considerar é que em nenhum desses casos tem o fisco o poder de criar regra infralegal conflitante com a lei que serve de fundamento de validade, o que ofende, portanto, o princípio da legalidade tributária.
Também não socorre ao fisco o argumento de que as empresas devem observância ao regime de competência na escrituração contábil, por força do que dispõe o art. 177 da Lei nº 6.404/76, uma vez que a própria legislação contábil prevê que os JCP não se constituem em despesa, exigindo que, pelo menos na apuração contábil, tais valores sejam imputados ao dividendo obrigatório, registrando-os, assim, como uma redução nos lucros acumulados[1].
Nas decisões proferidas na esfera administrativa, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF anteriormente possuía jurisprudência favorável ao fisco, o que mudou com o advento da Lei nº 13.988/2020 que, incluindo o art. 19-E na Lei nº 10.522/02, extinguiu o voto de qualidade no julgamento dos processos administrativos de determinação e exigência do crédito tributário, resolvendo, assim, favoravelmente aos contribuintes em caso de empate. Dentre vários acórdãos, cite-se, como exemplo, a decisão proferida pela 1ª Turma da Câmara Superior do CARF no processo nº 10980.724267/2016-29.
Lembramos que a Medida Provisória nº 1.160/2023 – que pretendia revogar o referido art. 19-E da Lei nº 10.522/2002 – não foi convertida em lei no prazo legal. Portanto, felizmente as empresas continuam com uma boa perspectiva perante CARF.
E no Poder Judiciário, as decisões em última instância sobre a matéria têm sido proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no qual a jurisprudência felizmente é favorável às empresas, em ambas as turmas que julgam matéria tributária (1ª e 2ª).
Recentemente, a 1ª Turma negou provimento a mais um recurso da Fazenda Nacional (REsp nº 1.971.537), decidindo que “é lícita, a partir do ano calendário 1997, a dedução dos juros sobre capital próprio mesmo em relação a exercícios anteriores àquele em que realizado o lucro da pessoas jurídica”.
A 2ª Turma, também recentemente, decidiu no REsp nº 1.951.674, reafirmar que “a legislação tributária determina textualmente que a pessoa jurídica pode deduzir os Juros sobre Capital Próprio do lucro real e resultado ajustado, no momento do pagamento a seus sócios/acionistas, impondo como condição apenas a existência de lucros do exercício ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior a duas vezes os juros a serem pagos ou creditados, não havendo burla ao limite legal de dedução do exercício ou ao regime de competência”.
Como ambas as turmas convergem em favor das empresas, a Fazenda Nacional não terá como recorrer ao órgão superior da 1ª Seção, restando interpor recurso, se cabível, ao Supremo Tribunal Federal.
Lembramos que em outras controvérsias relacionadas aos JCP, como é exemplo a decisão proferida no Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.259.243, o STF tem entendido que a ofensa constitucional seria apenas indireta, prevalecendo o caráter infraconstitucional da matéria, o que já indica uma boa expectativa de manutenção do entendimento do STJ.
No caso dos JCP retroativos, a discussão envolve basicamente definir se a dedutibilidade está ou não vinculada ao regime de competência, o que possui feição nitidamente legal e, portanto, infraconstitucional. Não vemos necessidade de análise, por exemplo, do “conceito constitucional de renda”, razão pela qual entendemos que a decisão definitiva deve ser, realmente, ser proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.
Enfim, o atual contexto é amplamente favorável às empresas, que encontram boa margem de segurança jurídica para decidirem pela dedução dos JCP no momento do pagamento ou creditamento aos sócios ou acionistas, ainda que os valores se refiram a exercícios anteriores.
* Advogado, com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba).
#jcp #lucroreal #irpj #csll #advocaciatributaria #stj #carf #danielprochalski
[1] Vide, nesse sentido, os itens 10 e 11 do ICPC 08 em:
https://www.cpc.org.br/Arquivos/Documentos/90_ICPC08%20_R1_%2001062012_sem_anexo_2_limpo.pdf