Perse: trajetória desde a Lei 14.148/2021 até a Lei nº 14.859/2024

Por: Daniel Prochalski*

1. O polêmico histórico do Perse

Com o objetivo de estabelecer “ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19”, a Lei nº 14.148/2021 instituiu o “Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos”, conhecido pelo acrônimo “Perse”, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública, reconhecido à época.

 

O Perse foi objeto de várias alterações desde a sua edição, o que resultou em muitas controvérsias e, em consequência, um grave quadro de insegurança jurídica aos destinatários da lei.

 

Em uma síntese, pode-se afirmar que o governo federal fez uma clara promessa com a criação do Perse, mas, depois, se arrependeu, e/ou concluiu que avaliou mal o impacto orçamentário deste benefício. Com isso, iniciou uma série de “remendos”, quebrando o compromisso feito com as empresas do setor, o que é inaceitável sob qualquer ponto de vista.

 

Pois bem. Para usufruir dos benefícios, o art. 2º, § 1º desta lei definiu como pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:

 

“I – realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;

II – hotelaria em geral;

III – administração de salas de exibição cinematográfica; e

IV – prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.

 

O art. 21 da Lei nº 11.771/2008, acima citado na lei do Perse, considera “prestadores de serviços turísticos” as “sociedades empresárias, sociedades simples, os empresários individuais e os serviços sociais autônomos que prestem serviços turísticos remunerados e que exerçam as seguintes atividades econômicas relacionadas à cadeia produtiva do turismo: I – meios de hospedagem; II – agências de turismo; III – transportadoras turísticas; IV – organizadoras de eventos; V – parques temáticos; e VI – acampamentos turísticos.”

 

E o parágrafo único deste art. 21 estabeleceu que “Poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços: I – restaurantes, cafeterias, bares e similares; II – centros ou locais destinados a convenções e/ou a feiras e a exposições e similares; III – parques temáticos aquáticos e empreendimentos dotados de equipamentos de entretenimento e lazer; IV – marinas e empreendimentos de apoio ao turismo náutico ou à pesca desportiva; V – casas de espetáculos e equipamentos de animação turística; VI – organizadores, promotores e prestadores de serviços de infra-estrutura, locação de equipamentos e montadoras de feiras de negócios, exposições e eventos; VII – locadoras de veículos para turistas; e VIII – prestadores de serviços especializados na realização e promoção das diversas modalidades dos segmentos turísticos, inclusive atrações turísticas e empresas de planejamento, bem como a prática de suas atividades.”

 

O art. 22 da mesma lei ainda prevê que os prestadores de serviços turísticos estão obrigados ao cadastro no Ministério do Turismo, o chamado Cadastur.

 

Além de uma modalidade de transação de débitos tributários e não tributários, o art. 4º da Lei nº 14.148/2021 reduziu a 0% (zero por cento) as alíquotas dos tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, sobre as receitas e resultados auferidos pelas pessoas jurídicas beneficiadas.

 

Esse artigo 4º foi objeto de veto pelo então Presidente da República em 03/05/2021 que, contudo, foi posteriormente derrubado pelo Congresso Nacional, mediante promulgação em 18/03/2022, data que serviu de marco relevante no regime do Perse.

 

A seguir, vejamos em subitens a sequência de alterações e inovações legislativas ocorridas no âmbito do Perse.

 

1.1. Portaria ME nº 7.163, de 21/06/2021[1]

 

Para efeito de aplicação da Lei nº 14.148/2021, a Portaria ME nº 7.163/2021 definiu, em uma lista com os Anexos I e II, os 88 (oitenta e oito) códigos CNAE considerados inicialmente como pertencentes ao setor de eventos.

Para segregar as atividades no Anexo I ou no Anexo II, esta portaria utilizou o seguinte critério:

 

a) No Anexo I: as atividades previstas nos incisos I, II e III do art. 2º, § 1º da Lei nº 14.148/2021, acima transcritas;

 

b) No Anexo II: a prestação de serviços turísticos de que trata o inciso IV do mesmo art. 2º, § 1º da Lei nº 14.148/2021, também transcrito acima, mas para estes, com a condição de que apenas poderiam se enquadrar no Perse se, na data de publicação da referida lei, já tivessem sua inscrição regular no Cadastur, nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771/2008.

 

Como o texto original da Lei nº 14.148/2021 não previa a inscrição no Cadastur como condição ao Perse, a portaria restringiu indevidamente os benefícios do Perse, invadindo a competência do legislador ordinário.

 

É importante não olvidar que a finalidade da referida portaria era apenas e tão somente dispor sobre os códigos das atividades econômicas enquadradas na definição de setor de eventos, o que motivou a discussão judicial de sua validade.

 

1.2. Instrução Normativa RFB nº 2.114, de 01/11/2022[2]

 

A IN RFB nº 2.114, partindo da data da derrubada do veto do art. 4º, dispôs que o período de utilização do benefício fiscal do Perse abrangia as receitas e aos resultados relativos aos meses de março de 2022 a fevereiro de 2027, e que o direito à alíquota zero dos tributos federais exigia o atendimento das seguintes condições em 18 de março de 2022:

 

a) As empresas do Anexo I estivessem exercendo as atividades econômicas constantes do Anexo I da Portaria ME nº 7.163/2021; e

 

b) As empresas do Anexo II estivessem com inscrição regular no Cadastur, mantendo a indevida exigência já feita pela portaria mencionada no item acima.

 

Além disso, a instrução estabeleceu que o Perse não seria aplicável às pessoas jurídicas optantes do Simples Nacional. Ainda que esta restrição tenha sido objeto de críticas e questionamentos judiciais, entendemos que a vedação é válida, uma vez que o art. 24 da Lei Complementar nº 123/2006 é claro ao dispor que “As microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não poderão utilizar ou destinar qualquer valor a título de incentivo fiscal”.

 

1.3. Medida Provisória nº 1.147, de 21/12/2022[3]

 

A Medida Provisória nº 1.147 alterou o art. 4º da Lei nº 14.148/2021, para, dentre outras questões, prever que:

 

a) A referida alíquota zero “será aplicada sobre as receitas e os resultados das atividades do setor de eventos de que trata este artigo” (§ 1º); e

 

b) O disposto no  17 da Lei nº 11.033/2004não se aplica aos créditos vinculados às receitas decorrentes das atividades do setor de eventos de que trata este artigo” (§ 2º).

 

A maior polêmica residiu nesta indevida restrição à aplicação do art. 17 da Lei nº 11.033/2004, o qual dispõe que “As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações”.

 

Lembre-se que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.093), fixou cinco teses relativas ao creditamento de PIS/Pasep e Cofins no sistema monofásico (vedando a apropriação) e, também, ao art. 17 da Lei nº 11.033/2004. Dentre as teses, são pertinentes para o presente artigo as de nºs 2 e 5:

 

“2 – O benefício instituído no artigo 17 da Lei 11.033/2004 não se restringe às empresas que se encontram inseridas no regime específico de tributação denominado Reporto.”

 

“5 – O artigo 17 da Lei 11.033/2004 apenas autoriza que os créditos gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade (incidência plurifásica) não sejam estornados (sejam mantidos) quando as respectivas vendas forem efetuadas com suspensão, isenção, alíquota zero ou não incidência da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, não autorizando a constituição de créditos sobre o custo de aquisição (artigo 13 do Decreto-Lei 1.598/1977) de bens sujeitos à tributação monofásica.”

 

Portanto, da leitura conjunta com a decisão do STJ, não havendo vedação expressa na redação original do art. 4º da Lei nº 14.148/2021, é válido concluir que a versão inicial do Perse permitia a manutenção dos créditos de PIS e COFINS gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade, na chamada incidência plurifásica.

 

Portanto, tendo em vista que o texto original da Lei nº 14.148/2021 não previa essa restrição, entendemos que nesse caso as empresas também podem defender a tese de que a inovação constituiu uma revogação parcial, ferindo o direito adquirido e o art. 178 do CTN.

 

1.4. Portaria ME nº 11.266, de 02/01/2023[4]

 

A Portaria ME nº 11.266 manteve a exigência das condições já mencionadas acima, a serem atendidas na data de 18/03/2022 e, ainda, dando continuidade às ilegais e criticáveis restrições feitas no regime do Perse, reduziu para 38 (trinta e oito), das 88 (oitenta e oito) previstas inicialmente, as atividades passíveis de usufruir da alíquota zero, mediante indicação do respectivo CNAE, mantendo a segregação também nos Anexos I e II.

 

A exclusão de 50 (cinquenta) atividades em uma mera portaria certamente violou não apenas a legalidade tributária, como também o direito adquirido, a segurança jurídica e o princípio da anterioridade tributária.

 

1.5. Lei nº 14.592 de 30/05/2023[5]

 

A Lei nº 14.592 é objeto de conversão da Medida Provisória nº 1.147 e – além da manutenção das restrições contidas nesta norma já comentadas acima – em sua redação final alterou o art. 4º da Lei nº 14.148/2021 também para incluir neste próprio dispositivo 44 (quarenta e quatro) atividades com direito à alíquota zero.

 

No entanto, destas 44 atividades, a referida Lei 14.592, no incluído § 5º, ressalvou 17 (dezessete) atividades para as quais o direito à desoneração ficou “condicionada à regularidade, em 18 de março de 2022, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo)”.

 

Verifiquem que a Lei nº 14.592 foi publicada em 30/05/2023, então a exigência de inscrição no Cadastur em 18/03/2022 representou uma criticável obrigação retroativa, uma vez que o texto original da Lei nº 14.148/2021 não previa esta condição, a qual estava contida apenas em uma norma infralegal publicada quase 02 (dois) anos antes, a Portaria ME nº 7.163/2021, para a qual já fizemos os comentários acima.

 

1.6. Medida Provisória nº 1.202 de 29/12/2023[6]

 

A Medida Provisória nº 1.202, em seu art. 6º, inciso I, revogou o art. 4º da Lei nº 14.148/2021.

 

No entanto, em atenção aos princípios da anterioridade do exercício seguinte e da anterioridade nonagesimal das contribuições previdenciárias, a eficácia desta revogação ficou modulada para as seguintes datas:

 

a) A partir de 1º de janeiro de 2025, para o IRPJ; e

 

b) A partir de 1º de abril de 2024, para as seguintes contribuições sociais: CSLL, PIS e COFINS.

 

Em 06/03/2024 foi proposta perante o Supremo Tribunal Federal – STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 7.609[7], contra a MP 1.202, mas que não teve concessão de liminar até a data de conclusão deste artigo.

 

1.7. Projeto de Lei – PL nº 1.026/2024[8]

 

Em 23/04/2024 o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei – PL nº 1.026/2024, apresentado pelo Poder Executivo federal em articulação com o Poder Legislativo, em virtude da repercussão negativa advinda com a MP nº 1.202, bem como pela grande quantidade de contestações judiciais contra esta norma, invocando, essencialmente, a violação ao direito adquirido ao regime anterior, a partir, inclusive, da regra prevista no art. 178 do Código Tributário Nacional – CTN.

 

O PL nº 1.026/2024 foi sancionado pelo Presidente da República e, em 23/05/2024, foi publicada a Lei nº 14.859[9], que estabeleceu as alterações mais significativas no Perse desde a sua edição, sendo válido afirmar, inclusive, que praticamente se trata de um novo regime.

 

Por fim, em 24/05/2024 foi publicada a Instrução Normativa RFB nº 2.195[10], a qual regulamenta as novas regras criadas pela Lei nº 14.589, dispondo sobre a habilitação e a fruição do benefício fiscal concedido no âmbito do Perse.

 

Tanto a nova lei como esta instrução serão objeto dos comentários do item seguinte.

 

2. O atual regime do Perse após a Lei nº 14.859/2024

 

O texto aprovado pela Lei nº 14.859, regulamentado pela IN RFB nº 2.195/2024, mantém o Perse, mas com restrições ainda mais amplas do que as criadas pelas anteriores modificações à Lei nº 14.148/2021, o que sugere ser provável a continuidade das controvérsias e questionamentos judiciais.

 

Apesar da obviedade, devido ao infeliz histórico de violações aos direitos dos contribuintes em nosso país, sempre é importante lembrar que as instruções normativas, por serem normas infralegais, devem rigorosa observância ao princípio da legalidade tributária, uma vez que a sua validade e a eficácia depende da compatibilidade destas normas com a lei – ou com as leis – que lhe serve de fundamento de validade.

 

Utilizando a mesma lógica da hierarquia normativa, tanto a Lei nº 14.148/2021, como todas as demais leis que alteraram o regime do Perse acima comentadas, somente serão válidas e poderão obrigar as empresas destinatárias, se estiverem em harmonia com as regras e princípios constitucionais pertinentes, previstos na Carta de 1988.

 

Nos subitens seguintes comentaremos as principais alterações advindas com esta nova legislação, bem como algumas críticas que entendemos pertinentes, as quais podem viabilizar a discussão judicial do novo regime em alguns casos.

Claro que existem outros pontos do novo diploma a serem tratados, que poderão ser objeto de artigo futuro. Nesse texto, assim, destacamos alguns dos principais aspectos e controvérsias do novo regime.

 

2.1. Revogação das regras previstas na Medida Provisória nº 1.202/2023

 

A nova lei, em seu art. 5º, revogou o já mencionado inciso I do art. 6º, da MP nº 1.202/2023. Ou seja, o artigo que havia revogado o art. 4º da Lei nº 14.148/2021 acabou sendo revogado pela nova lei.

 

Em virtude dessa revogação, a nova lei assegura o direito à compensação ou ressarcimento do PIS, COFINS e CSSL, eventualmente pagos em virtude da MP 1.202, relativos à competência de abril/2024.

 

2.2. Criação do teto de R$ 15 bilhões para os incentivos fiscais do Perse

 

O referido teto valerá para o período entre os meses de abril de 2024 e dezembro de 2026, conforme se vê do texto do novo art. 4º-A incluído na Lei º 14.148/2021, o qual estabelece que:

 

a) O benefício fiscal da alíquota zero “terá o seu custo fiscal de gasto tributário fixado, nos meses de abril de 2024 a dezembro de 2026, no valor máximo de R$ 15.000.000.000,00 (quinze bilhões de reais)”;

 

b) O acompanhamento deste custo fiscal máximo será demonstrado pela Receita Federal do Brasil, em relatórios bimestrais de acompanhamento, contendo exclusivamente os valores da redução dos tributos das pessoas jurídicas beneficiadas e que foram consideradas habilitadas; e

 

c) O benefício fiscal do Perse será extinto a partir do mês subsequente àquele em que a Receita Federal demonstrar que o custo fiscal acumulado atingiu o limite fixado, o que deverá ser feito em audiência pública do Congresso Nacional.

 

Entendemos, contudo, que a implementação desse teto é manifestamente indevida, uma vez que – além de se tratar de restrição que não está sob o controle dos contribuintes – a alíquota zero é um benefício condicionado à habilitação prévia e com prazo certo e, assim, gera inequívoco direito adquirido, não podendo ser extinto abruptamente por uma regra de teto, inclusive por ser norma de Direito Financeiro, e não de Direito Tributário.

Lembre-se que as empresas certamente vão estruturar seus negócios e celebrar contratos considerando que, naquele período, não terão aquela carga tributária. Assim, esta regra certamente resultará em graves prejuízos se as empresas tiverem que assumir uma tributação repentina, sem conseguir repassar esse novo ônus aos compromissos já assumidos.

 

No mínimo, as empresas deverão ter assegurado o respeito ao princípio constitucional da não-surpresa, mediante o atendimento às anterioridades do exercício seguinte, para o IRPJ, e a de noventa dias para as contribuições (CSLL, PIS e COFINS).

 

De qualquer forma, independente da decisão ou não pela discussão judicial, desde já se recomenda às empresas, do ponto de vista negocial, que prevejam, nos instrumentos de vendas ou serviços, cláusulas que permitam a adequação dos preços contratados, na hipótese de sobrevirem alterações imprevisíveis ou abruptas na utilização do benefício do Perse.

 

Por fim, mais uma crítica a criação desta restrição: com receio do teto financeiro ser atingido a qualquer momento, as empresas poderão decidir pela antecipação do faturamento de seus contratos para garantir que sejam beneficiados pela alíquota zero, sempre que tal medida seja possível.

 

Se isso ocorrer em grande escala, o que nos parece provável, o atingimento do teto de R$ 15 bilhões ocorrerá mais cedo do que se espera. Valerá o ditado popular: “farinha pouca, meu pirão primeiro”!

 

2.3. A exigência de habilitação prévia

 

A fruição da alíquota zero será condicionada à habilitação prévia, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da regulamentação deste artigo pela Receita Federal. O eventual indeferimento deverá observar a ampla defesa e o contraditório. Transcorrido o prazo de 30 (trinta) dias, o deferimento será tácito.

 

O art. 4º, §§ 1º e 2º da IN RFB nº 2.195/2024 prevê que a habilitação deverá ser requerida no prazo de 60 (sessenta) dias, no período de 3 de junho a 2 de agosto de 2024, como condição necessária para a fruição do benefício fiscal, inclusive em relação ao período compreendido entre a data de publicação da Lei nº 14.859, ocorrida em 23 de maio de 2024, e a data da habilitação.

 

O art. 7º da instrução normativa estabelece as condições para a habilitação. Além do cumprimento dos requisitos previstos na própria lei do Perse (Lei nº 14.148/2021), a requerente deverá:

 

a) Aderir ao Domicílio Tributário Eletrônico – DTE;

 

b) Comprovar a regularidade cadastral perante o CNPJ; e

 

c) Cumprir as normas relacionadas aos impedimentos legais à concessão e à manutenção de benefícios fiscais, demonstrando, conforme a respectiva legislação invocada neste dispositivo da instrução: (i) a regularidade fiscal quanto a tributos e contribuições federais; (ii) inexistência de sentenças condenatórias decorrentes de ações de improbidade administrativa, abrangendo a pessoa jurídica requerente e seu sócio majoritário; (iii) inexistência de débitos inscritos no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal – Cadin; (iv) inexistência de sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente; (v) inexistência de débitos e mora contumaz com o FGTS, abrangendo o estabelecimento matriz e todas as filiais da pessoa jurídica requerente; (vi) inexistência de registros ativos no Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, derivados da prática de atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira; e (vii) inexistência de decisões judiciais ou administrativas encaminhadas à RFB, relacionadas a impedimentos à concessão e fruição de benefícios fiscais e regimes especiais de tributação.

 

Na hipótese de o requerimento ser indeferido, ou da habilitação ser cancelada, em observância ao direito à ampla defesa e ao contraditório, a empresa requerente poderá apresentar recurso administrativo, no prazo de 10 (dez) dias, contado da ciência do indeferimento ou do cancelamento da habilitação, conforme o rito estabelecido nos arts. 56 a 59 da Lei nº 9.784/1999.

 

E se houver transcorrido o prazo de 30 (trinta) dias da apresentação do pedido de habilitação, sem que tenha havido a manifestação da RFB, a pessoa jurídica será considerada habilitada.

 

Tendo em vista se constituir em uma clara condição, cumulada ao fato de que o benefício é por prazo certo, entendemos que a habilitação prévia poderá ser invocada para aplicação do art. 178 do CTN, ou seja, para garantir a manutenção da alíquota zero pelo período previsto na lei, independente de atingimento do teto financeiro e, ainda, de eventual nova revogação futura.

 

Mais adiante, faremos comentários mais detalhados sobre a aplicação da regra prevista no referido art. 178 do CTN, não apenas no contexto da nova lei, mas também da existência de direito adquirido ao regime originalmente criado quando do advento da Lei nº 14.148/2021.

 

2.4. Redução das atividades beneficiadas

 

Dando continuidade à sequência de indevidas restrições efetuadas na legislação do Perse desde a sua edição, foram reduzidas de 44 (quarenta e quatro) para 30 (trinta) as atividades beneficiadas com a alíquota zero, exercidas pelas empresas como atividade principal ou preponderante em 18 de março de 2022.

 

As exclusões de atividades feitas não apenas na nova lei, como nas alterações anteriores, nunca foram devidamente justificadas, o que fere frontalmente, dentre outros, o princípio da segurança jurídica.

 

Foram excluídas do Perse as seguintes atividades antes contempladas: albergues, campings e pensões; produtoras de filmes para publicidade; locação de automóveis com motorista; fretamento rodoviário de passageiros e organização de excursões; transporte marítimo de passageiros por cabotagem, longo curso ou aquaviário para passeios turísticos; e atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares.

 

Nesse item, entendemos que as empresas cujas atividades foram excluídas podem discutir judicialmente essa alteração legislativa, invocando também o direito adquirido e a regra do art. 178 do CTN.

 

O benefício será restrito às empresas listadas cuja atividade principal ou preponderante, em 18/03/2022, seja a de turismo (CNAE listado).

 

Será preponderante “a atividade cuja receita bruta decorrente de seu exercício seja a de maior valor absoluto, apurado dentre os códigos da CNAE componentes da receita bruta total da pessoa jurídica”, considerando o somatório das receitas brutas auferidas nas atividades com código da CNAE permitido no regime, dentre os componentes da receita bruta da pessoa jurídica.

 

Ou seja, o direito ao Perse dependerá da relação entre a receita da atividade autorizada e a receita total ser maior que 50% (cinquenta por cento). Sendo menor (proporção de 49% por exemplo), a empresa estará excluída do regime em relação à totalidade de suas receitas.

 

Portanto, aqui reside mais um ponto polêmico e que provavelmente resultará em controvérsia e discussão jurídica, uma vez não ser legítima a discriminação apenas a partir dessa relação percentual.

 

O critério também não é adequado porque também se antevê a possibilidade de manipulação na contabilização das receitas pelas empresas, visando “forçar” uma preponderância nas receitas beneficiadas, o que configurará fraude, passível não só de lavratura de auto de infração com multa qualificada, como também da representação fiscal para fins penais.

 

Também será possível argumentar em caso contrário: se a empresa está integralmente excluída do Perse se as receitas beneficiadas não forem preponderantes, então será legítimo defender que todas as receitas deverão ser desoneradas se houver a referida preponderância.

 

Em relação à inscrição no Cadastur, também poderão usufruir do Perse as empresas que regularizaram a situação no período entre 18/03/22 até 30/05/23. A possibilidade desta inscrição até 30/05/2023 é, talvez, um dos únicos pontos positivos da nova lei, por extinguir a exigência retroativa de inscrição regular no Cadastur na data de 18/3/2022.

 

2.5. Vedação para a participação de empresas inativas entre 2017 e 2021

 

O objetivo da vedação é impedir a concessão indevida de benefícios às empresas que não foram submetidas às restrições da pandemia.

 

A restrição, regra geral, é legítima, salvo se a empresa era saudável e se tornou inativa nos anos de 2020 ou 2021, por exemplo, em virtude justamente dos graves problemas causados pela pandemia.

 

Então a depender das peculiaridades de cada caso, será possível, em tese, questionar a restrição judicialmente, invocando, por exemplo, a violação aos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, positivados no art. 150, II e art. 145, § 1º da Constituição Federal.

 

2.6. Período do benefício em relação ao tipo de tributo e regime de tributação

 

As pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real ou pelo lucro arbitrado terão direito aos benefícios do Perse apenas em 2024, mas, nos anos de 2025 e 2026, a alíquota zero será restrita às contribuições COFINS e PIS.

 

Ou seja, estas empresas não terão direito à alíquota zero de IRPJ e CSLL a partir de janeiro de 2025.

 

Em relação ao lucro real, lembre-se que esse regime tanto pode ser impositivo – em função da receita bruta anual superior a R$ 78 milhões, da atividade exercida ou de outras situações, todas previstas no art. 14 da Lei nº 9.718/98 – como pode ser opcional, a partir da relação entre as receitas e despesas da pessoa jurídica.

 

Assim – e deixando de lado os comentários ao lucro arbitrado, em virtude das causas específicas dessa forma de tributação, vinculadas, por exemplo, a problemas na escrituração contábil que a tornem “imprestável” – nos parece que a restrição ao lucro real é manifestamente indevida, uma vez que a simples condição de sujeição a esse regime, por si só, não se constitui em um discrímen válido, violando, assim, os já mencionados princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva.

 

A IN RFB nº 2.195/2024 estabelece, nos arts. 11 ao 14, regras sobre a aplicação do benefício, conforme o tributo e/ou o regime tributário, tais como:

 

a) A pessoa jurídica que apura o IRPJ e a CSLL pela sistemática do lucro real deverá apurar o lucro da exploração referente às atividades beneficiadas pela alíquota zero;

 

b) A pessoa jurídica que apura o IRPJ e a CSLL pela sistemática do lucro presumido ou arbitrado não deverá computar, na base de cálculo dos referidos tributos, as receitas decorrentes das atividades beneficiadas;

 

c) A pessoa jurídica sujeita à apuração anual do IRPJ e da CSLL não deverá computar as receitas beneficiadas na base de cálculo das estimativas mensais;

 

d) Na apuração das contribuições ao PIS e COFINS, a pessoa jurídica deverá segregar, da receita bruta, as receitas sujeitas à alíquota zero; e, ainda, veda a manutenção de créditos no regime não-cumulativo, afastando a aplicação do art. 17 da Lei nº 11.033/2004; e

 

e) Fica dispensada a retenção do IRPJ, da CSLL e das contribuições ao PIS e COFINS, no pagamento ou crédito de receitas desoneradas pelo Perse.

 

3. A questão do direito adquirido ao benefício e o art. 178 do CTN. Equiparação entre isenção e alíquota zero. A tese da onerosidade da condição

 

Todas as restrições impostas aos destinatários do Perse, oriundas das alterações à redação original da Lei nº 14.148/2021, poderiam ser questionadas apenas pela invocação à garantia constitucional – qualificada como cláusula pétrea, portanto – prevista no inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal, o qual dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

 

Outro aspecto que confirma o direito adquirido: com o advento da Lei nº 14.148/2021, é válido imaginar que muitos empresários tomaram a decisão legítima de continuar investindo em suas empresas, ou até mesmo tomaram empréstimos ou outros passivos para continuar com as portas abertas, confiando no cumprimento da promessa de que teriam a desoneração dos tributos federais pelo período de 60 (sessenta) meses, prevista expressamente no texto daquela lei.

 

Em virtude do caráter sistêmico do ordenamento jurídico, como já demonstrado acima, também é válido concluir que as empresas tiveram razões legítimas para acreditar que teriam direito, na versão original do Perse, por força do art. 17 da Lei nº 11.033/2004, à manutenção dos créditos de PIS e COFINS gerados na aquisição de bens sujeitos à não cumulatividade, na chamada incidência plurifásica, tese convalidada posteriormente pelo STJ em repercussão geral (Tema 1.093).

 

No âmbito tributário, como o direito adquirido às desonerações assume especial relevância, entendeu o legislador que a garantia merecia positivação expressa no Código Tributário Nacional:

 

Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.”

 

O texto não deixa margem para dúvidas: se concede a isenção por determinado prazo e, cumulativamente, mediante o cumprimento de condições, a lei não pode ser revogada antes do seu tempo de produção de efeitos.

 

Assim, se vier a ser revogada, conclui-se esta lei perderá apenas a sua vigência, mas manterá hígida a sua eficácia, durante o período em que a desoneração foi prometida aos respectivos contribuintes destinatários.

 

De forma equivalente, o art. 41, § 2º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, prescreve que “A revogação não prejudicará os direitos que já tiverem sido adquiridos, àquela data, em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo”.

 

Em relação à aplicação do art. 178 do CTN ao Perse, ainda que o seu texto trate (apenas) literalmente de “isenção”, entendemos que o direito à invocação deste dispositivo é inequívoca, diante da equiparação jurisprudencial entre os institutos da alíquota zero e da isenção tributária, tanto pelo STJ como pelo STF.

 

Como exemplos, ilustramos com os seguintes excertos de decisões destas cortes superiores:

 

“(…). 3. Adequada a aplicação do art. 178 do Código Tributário Nacional à hipótese de fixação, por prazo certo e em função de determinadas condições, de alíquota zero da Contribuição ao PIS e da Cofins, porquanto os contribuintes, tanto no caso de isenção quanto no de alíquota zero, encontram-se em posição equivalente no que tange ao resultado prático do alívio fiscal (REsp n. 1.928.635/SP, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 16/8/2021). (…)”. (AgInt no REsp n. 1.848.221/RS, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 19/4/2023.)

 

“(…). VI – Inaceitável restringir, por ato infralegal, o benefício fiscal conferido ao setor produtivo, mormente quando as três situações – isento, sujeito à alíquota zero e não tributado -, são equivalentes quanto ao resultado prático delineado pela Lei do benefício. (…)”. (EREsp n. 1.213.143/RS, relatora Ministra Assusete Magalhães, relatora para acórdão Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 2/12/2021, DJe de 1/2/2022.)

 

“(…) Se o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito. Recurso não conhecido.” (RE 350446, Relator(a): NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 18-12-2002, DJ 06-06-2003 PP-00037  EMENT VOL-02113-04 PP-00680)

 

Quanto à exigência de “prazo certo”, a questão não exige maior discussão, uma vez que a alíquota zero foi concedida pelo prazo de 60 (sessenta) meses no art. 4º da Lei nº 14.148/21.

 

A polêmica existe em relação ao outro requisito cumulativo para vedar a revogação da isenção, ou seja, a existência de condições a serem cumpridas pelo destinatário do benefício fiscal.

 

Desde já se atente que o art. 178 do CTN não exige expressamente que a condição seja “onerosa”, bastando que seja uma condição pura e simples.

 

Note-se que a redação original do art. 178 do CTN previa que a vedação à revogação ocorria em relação às isenções concedidas por prazo certo ou em função de determinadas condições. A Lei Complementar nº 24/75 alterou a redação para substituir a conjunção alternativa “ou” pelo conectivo “e”, resultando na exigência cumulativa do “prazo certo” com o cumprimento das “condições” previstas em lei.

 

À época da vigência da redação original, o STF, no julgamento do RE nº 69.182, decidiu que a existência de prazo certo, por si só, confere à isenção o caráter contratual e, assim, de direito adquirido, independente de cumprimento de qualquer condição, ratificando o caráter alternativo das exigências do art. 178 do CTN:

 

ISENÇÃO DE IMPOSTOS. CONCEDIDA PELA LEI PARA VIGORAR POR PRAZO DETERMINADO, TEM CARÁTER CONTRATUAL. SUA REVOGAÇÃO, ANTES DO TERMO ESTIPULADO, CONSTITUI VIOLAÇÃO DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO ADQUIRIDO (SÚMULA 544). (RE 69182, Relator(a): ADAUCTO CARDOSO, Segunda Turma, julgado em 01-06-1970, DJ 01-07-1970 PP-02762  EMENT VOL-00804-04 PP-01273 RTJ VOL-00054-01 PP-00203)

 

É relevante notar que essa ementa invoca a Súmula 544 do STF, cujo enunciado prevê que “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”. Essa súmula foi publicada em 12/12/1969, portanto, durante a vigência da redação original do art. 178 do CTN.

 

Ou seja, como à época não se exigia a cumulação das condições, é preciso contextualizar a expressão onerosa no texto do verbete. Da análise de alguns julgados do STF, mesmo recentes, se verifica que a subsunção da lei isentiva ao art. 178 do CTN prioriza mais o vocábulo “condição” do que a expressão “condição onerosa”, o que prestigia o texto do dispositivo, que em nenhum momento menciona o adjetivo da onerosidade.

 

Como ilustração, verifique-se a seguinte ementa:

 

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO CONDICIONADA E DEFERIDA A PRAZO CERTO. LIVRE SUPRESSÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 544 DO STF. ALEGADA OFENSA AO ART. 97 DA CF. INEXISTÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I – O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a isenção tributária, quando concedida por prazo certo e mediante o atendimento de determinadas condições, gera direito adquirido ao contribuinte beneficiado. Incidência da Súmula 544 do STF. II – A obediência à cláusula de reserva de plenário não se faz necessária quando houver orientação consolidada do STF sobre a questão constitucional discutida. III – Agravo regimental improvido. (RE 582926 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 10-05-2011, DJe-100 DIVULG 26-05-2011 PUBLIC 27-05-2011 EMENT VOL-02531-01 PP-00145)

Portanto, a leitura mais adequada da Súmula 544 do STF é no sentido de que o art. 178 do CTN veda a revogação das isenções concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições, especialmente – mas não necessariamente – se estas forem onerosas.

 

E da simples leitura da legislação do Perse, desde o seu início até o atual regime, pode-se facilmente concluir pela existência de condições inequívocas para a utilização dos benefícios. Vejamos.

 

A alíquota zero foi originalmente objeto de várias condições: primeiro, ao cumprimento dos requisitos previstos no artigo 2º da Lei nº 14.148/2021, bem como na Portaria ME nº 7.163/2021, as quais já previam que o benefício somente seria aplicável às empresas que, desenvolvendo atividades relacionadas ao setor de eventos, possuíssem algum dos CNAEs listados nos Anexos I e II da referida portaria. Mas além disso, na hipótese das atividades qualificadas como “serviços turísticos”, as empresas deveriam estar com situação regular no Cadastur.

 

Outra condição foi prevista pela Receita Federal na Instrução Normativa nº 2.114/2022, a qual estabeleceu que a alíquota zero somente seria aplicável às empresas que “apurem o IRPJ pela sistemática do Lucro Real, do Lucro Presumido ou do Lucro Arbitrado”, impedindo a opção pelas optantes Simples Nacional.

 

Lembre-se, ainda, que o exercício das atividades autorizadas pressupõe que a empresa beneficiada tenha atendido a maior das condições: ter suportado os graves problemas causados pela pandemia, sendo inequívoco que o implemento dessa condição não depende de prova em cada caso, sendo presumida tão-somente pelo fato de a empresa auferir receitas oriundas da exploração das referidas atividades previstas em lei.

 

É certo que nas isenções submetidas a condições onerosas é comum a lei exigir investimentos prévios das empresas destinatárias, o que reforça, obviamente, a condição de sua irrevogabilidade, uma vez que, nesses casos, não há dúvida de que as condições da concessão da isenção induziram o contribuinte a tomar determinada medida na criação ou ampliação do seu empreendimento e que, se o tributo fosse devido, provavelmente tal conduta não teria sido praticada.

 

No entanto, no caso do Perse, ainda que possa se defender que as condições de sua fruição não sejam expressamente onerosas – como são as hipóteses de um investimento prévio mínimo, contratação de mão-de-obra local em certa quantidade etc – é inafastável concluir que a edição da Lei nº 14.148/2021 certamente teve o efeito de influenciar, em qualquer medida, a ampliação ou, no mínimo a manutenção de milhares de empreendimentos, para terem direito ao benefício da alíquota zero, o que deve ser considerado suficiente para qualificar o benefício fiscal como oneroso.

 

Portanto, como conclusão, não restam dúvidas de que todas as restrições que foram criadas no decorrer do histórico legislativo do Perse, até o advento da Lei nº 14.859/2024 – e que resultaram não apenas na exclusão de empresas e atividades, mas também quando reduziram o alcance do programa sob qualquer aspecto – podem ser consideradas como ofensivas ao direito adquirido, surgido com a redação original da Lei nº 14.148/2021.

 

Em consequência, como tais restrições se qualificam como revogações parciais do regime original, entendemos que as empresas prejudicadas têm o legítimo direito à invocação do art. 178 do CTN, nas esferas administrativa ou judicial, para ver garantida a manutenção do benefício durante todo o período de 60 (sessenta) meses, objeto de promessa do próprio governo federal, sob pena, inclusive, de grave violação ao princípio da moralidade administrativa, positivado no art. 37, caput, da Constituição de 1988.

 

*Advogado (OAB/PR nº 22.848), com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba). Diretor do Comitê Tributário da Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa – ACIPG.

 

[1] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=118592

[2] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=126880

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Mpv/mpv1147.htm

[4] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=128543

[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Lei/L14592.htm

[6] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1202.htm

[7] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6867284

[8] https://www.congressonacional.leg.br/materias/materias-bicamerais/-/ver/pl-1026-2024

[9] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14859.htm

[10] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=138279