Quais os limites para o planejamento sucessório e tributário?
Daniel Prochalski
Ricieri Giovanni Piana
O planejamento sucessório, frequentemente promovido como uma solução para a redução de custos, tem se popularizado no mercado com a promessa de economia tributária. Contudo, é fundamental distinguir a elisão fiscal lícita de práticas que configuram um abuso de forma, as quais estão sendo rigorosamente fiscalizadas pelas autoridades. Um exemplo notório é a chamada “holding 3 células”.
Essa estrutura complexa e artificial, muitas vezes oferecida como uma panaceia tributária, é montada com o único objetivo de transferir patrimônio aos herdeiros com uma base de cálculo reduzida do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), o que leva a um imposto inferior ao realmente devido. A operação se desenvolve em uma série de etapas:
- Célula Cofre: O processo começa com a constituição de uma pessoa jurídica que serve como “célula cofre”. Nela, o patrimônio imobiliário é integralizado pelo valor histórico declarado no imposto de renda, o que é permitido por lei, que acaba sendo substancialmente inferior se fosse realizado por uma avaliação a valor justo (AVJ), ou seja, a valor de mercado.
- Célula Veículo: Em seguida, é criada uma segunda empresa, a “célula veículo”. O capital social dessa nova empresa é integralizado com as quotas da “célula cofre”, ou seja, a célula veículo passa a ser sócia única da célula cofre.
- Célula Destino: Por fim, uma terceira empresa, denominada “célula destino”, é criada com a integralização de capital em dinheiro em montante equivalente ao capital da célula veículo. Posteriormente, as quotas dessa empresa são doadas aos herdeiros, mediante alteração no contrato social, e nessa operação, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é recolhido com base no valor nominal do capital social integralizado em dinheiro.
- Transferência de Quotas: A “célula destino” compra, então, as quotas da “célula veículo” pelo valor nominal do capital social, tornando-se sócia da empresa que detém os bens imobiliários.
Embora cada ato possa, isoladamente, parecer legal, a sequência de operações é interpretada como um “abuso de forma” ou “planejamento tributário abusivo”. A Receita Estadual do Rio Grande do Sul, por exemplo, iniciou um programa de autorregularização focado exatamente nessa prática, para recuperar cerca de R$ 5 milhões em impostos devidos.
Além da fiscalização do ITCMD, essa estratégia esconde outro grave risco fiscal: a possível geração de um ágio interno. Esse valor artificial é oriundo da diferença do valor imobilizado na célula patrimonial e do valor real do imóvel, o que pode ser interpretado como um ganho de capital tributável, resultando em uma alíquota que pode chegar a 34% com o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.
O Fisco tem o poder de desconsiderar atos jurídicos que tenham como única finalidade dissimular o fato gerador do tributo, conforme o artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN):
Art. 116. (…) Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Essa prerrogativa legal permite às autoridades coibir a evasão fiscal praticada mediante abuso de forma, abuso do direito ou a dissimulação do fato gerador, como ocorre nas situações em que há dissociação entre a manifestação da vontade e a verdadeira intenção das partes no planejamento.
Um planejamento sucessório robusto e confiável não se baseia em atalhos ou em modelos genéricos. Cada família, com sua estrutura e patrimônio específicos, exige uma solução individualizada e cautelosa.
A busca por propostas que vendem soluções fáceis e milagrosas pode resultar em sérias consequências fiscais e jurídicas no futuro, transformando uma suposta economia momentânea em prejuízos significativos.
O trabalho sério e ético da advocacia tributária e sucessória é um investimento em segurança e tranquilidade, e não na promessa de resultados que a lei não ampara.
Daniel Prochalski
Advogado (OAB/PR nº 22.848), com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba).
Ricieri Giovanni Piana
Estagiário de Direito; Graduando da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Presidente da Liga Acadêmica de Direito Tributário da UEPG.