Retorno do voto de qualidade no CARF: nova lei prevê contrapartidas, mas não compensa o prejuízo aos contribuintes

Por: Daniel Prochalski* e Leticia Staroi*

O atual governo sancionou, com 14 vetos, nesta quinta-feira (21), a Lei n° 14.689/2023, que restabelece o chamado “voto de qualidade” a favor da União – Fazenda Nacional.

A nova lei revoga, portanto, o art. 19-E da Lei nº 10.522/2002, incluído pela Lei nº 13.988/2020, que havia afastado a aplicação do voto de qualidade para as hipóteses de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

A revogação é altamente criticável, uma vez que o voto de qualidade resulta em inequívoca violação à necessária equidade nas deliberações do CARF, sendo exercido mediante o odioso voto duplo do representante da Fazenda Nacional, quando há empate na votação, o que, nos parece, ofende relevantes princípios de Direito Tributário, como a legalidade e a capacidade contributiva, assim como contraria o art. 112 do Código Tributário Nacional, pelo qual, em caso de dúvida sobre matéria de fato ou de direito, a interpretação deve sempre ser em favor do contribuinte.

Benefícios aos contribuintes

Apesar da retomada do voto de qualidade a favor do governo, os contribuintes poderão ter a representação fiscal para fins penais cancelada e a exclusão das multas. Também está prevista a exclusão de juros de mora em caso de manifestação para pagamento pelo contribuinte no prazo de 90 dias, que poderá ser parcelado em até 12 prestações mensais.

Outras garantias previstas no texto legal são a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal para apuração do IRPJ e de base de cálculo negativa da CSLL; a não incidência do encargo legal em caso de inscrição em dívida ativa da União; a emissão de certidão de regularidade fiscal no curso do prazo de 90 dias para manifestação do contribuinte para pagamento do tributo devido; a possibilidade de uso de precatórios para amortização ou liquidação do débito remanescente; a ampliação da capacidade de negociação da Fazenda Nacional no âmbito dos acordos de transação tributária, com possibilidade de oferta de propostas mais vantajosas para os contribuintes, e a dispensa de oferecimento de garantia pelo devedor para discussão judicial dos créditos abrangidos pela decisão, desde que tenha capacidade de pagamento.

Vetos

Por orientação do Ministério da Fazenda, a Presidência da República vetou diversos trechos que tratam sobre redução de multas, perdão de dívidas e autorregularização, entre outros pontos.

Entre os 14 vetos está um que alterava a Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.380/80) e previa a impossibilidade de liquidação de garantias até o trânsito em julgado da ação que discute o débito. O Congresso também havia estabelecido que essas garantias incluíam apenas o valor da dívida, descontados os juros e multas. Hoje, há decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitando a liquidação de garantia antes do trânsito em julgado. O precedente foi usado pelo Ministério da Fazenda para justificar o veto.

O Executivo vetou ainda um artigo segundo o qual uma multa de ofício poderia ser perdoada “de acordo com o histórico de conformidade do contribuinte”. Na justificativa do veto, o governo argumentou que “o dispositivo causa insegurança jurídica tendo em vista que não estabelece a competência e o procedimento a ser aplicado para relevação da pena; e utiliza expressão genérica — ‘histórico de conformidade’ — e não delimita o seu alcance”.

Entendemos, enfim, que embora a lei tenha previsto novos benefícios aos contribuintes, tais compensações não são suficientes para afastar o caráter de desigualdade do voto de desempate a favor do governo nos julgamentos do CARF.

Ora, o princípio do devido processo legal, imperativo também na esfera administrativa, deve ser observado tanto em seu aspecto formal como material, o que exige, além da previsibilidade e respeito ao procedimento previsto em lei, a rigorosa igualdade de tratamento processual, o que exige o tratamento adequado ao contribuinte em sua posição menos privilegiada perante o Fisco, e se justifica na medida em que o processo administrativo tributário permite uma discussão especializada para a validade na constituição dos créditos tributários.

Esperamos, assim, que o Congresso Nacional derrube os vetos da Presidência, cujos motivos não convencem a sua manutenção, e que mal disfarçam uma intenção meramente arrecadatória.

Daniel Prochalski* – Advogado (OAB/PR nº 22.848), com atuação e experiência nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba).

Leticia Staroi* – Especialista em Direito Tributário (Faculdade Ibmec SP). Especialista em Direito Civil e Processo Civil (Cátedra Cursos e Soluções jurídicas).

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