STF e os crimes tributários: quais os efeitos do parcelamento e do pagamento pelo acusado?

Por: Daniel Prochalski*

O assunto não é novo, mas ganhou nova projeção em virtude de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade – ADI nº 4.273, proposta pela Procuradoria-Geral da República – PGR e cujo julgamento virtual foi concluído hoje, 15/08/2023.

Na ação, a PGR defendeu a tese de que a coerção penal – ou seja, as penas de reclusão e multa – visaria proteger a arrecadação dos tributos, em favor do desenvolvimento nacional e da eliminação das desigualdades sociais, bem como “reforçam a percepção da dupla balança da Justiça: penaliza sistematicamente os delitos dos pobres e se mostra complacente com os delitos dos ricos”.

A partir desses e outros argumentos, pediu a declaração de inconstitucionalidade dos seguintes dispositivos:

1) Lei nº 10.684/2003 – Art. 9º, §§ 1º e 2º: estabelece que fica suspensa a “pretensão punitiva do Estado”, referente aos “crimes contra a ordem tributária”, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento, durante o qual não corre a prescrição criminal. Após o pagamento integral da dívida, extingue-se a punibilidade dos referidos crimes.

2) Lei nº 11.941/2009:

a) Art. 67:  estabelece que na hipótese de parcelamento do crédito tributário antes do oferecimento da denúncia penal, essa somente poderá ser aceita se ocorrer, posteriormente, inadimplemento do débito parcelado.

b) Art. 68:  prevê a suspensão da “pretensão punitiva do Estado”, referente aos “crimes contra a ordem tributária”, quando os respectivos débitos tiverem sido objeto de parcelamento, e desde que não ocorra a rescisão do acordo.  Durante esse período, não há, obviamente, fluência da prescrição criminal.

c) Art. 69: dispõe que a punibilidade dos crimes tributários fica extinta quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos tributos que tiverem sido objeto de parcelamento.

Todos os ministros acompanharam o voto do Relator, Ministro Nunes Marques, em favor da manutenção do efeito suspensivo do parcelamento do débito tributário, ou do efeito extintivo da quitação integral, em relação à ação penal, quando movida em virtude da tipificação pelos crimes fiscais previstos, por exemplo, na Lei nº 8.137/90 ou nos arts. 168-A e 337-A do Código Penal.

A declaração de voto do Relator, bem como do voto vista do Ministro Alexandre de Moares, já está disponível na página do STF[1]:

“Julgo prejudicada a arguição de inconstitucionalidade em relação ao art. 68 da Lei 11.941/2009, e improcedente a pretensão deduzida na presente ação, declarando, por consequência, a constitucionalidade dos artigos 67 e 69, da Lei n. 11.941/2009, e do artigo 9º, §§ 1º e 2º, da Lei n. 10.684/2003.

Voto-vista: Acompanho o voto proferido pelo eminente Ministro Relator, para, prejudicada a Ação Direta em relação ao art. 68 da lei 11.941/2009, julgar IMPROCEDENTE o pedido e declarar a constitucionalidade do arts. 67 e 69 da Lei 11.941/2009 e do art. 9º, §§ 1º e 2º, da lei 10.684/2003.”

Como se vê, a decisão não julgou a regra do art. 68 e julgou improcedente o pedido em relação aos demais artigos, o que na prática mantém a vigência e eficácia de todos os dispositivos questionados e, assim, representa uma excelente notícia para os contribuintes que possuem ações penais com débitos incluídos em programas de parcelamento.

Em seu voto, o Relator, Ministro Nunes Marques, defendeu que o legislador brasileiro, há muito tempo, fez a opção política, válida, de que a reparação integral do dano causado ao erário pela prática de crime contra a ordem tributária resulta na extinção da punibilidade, e que esse contexto demonstra que para o Estado, o interesse e a finalidade da arrecadação tributária prevalecem sobre a aplicação da sanção penal.

A partir dessas premissas, entendeu, com acerto, que as causas suspensiva (parcelamento) e extintiva da punibilidade (quitação integral), previstas nos dispositivos legais impugnados, se constituem em medidas de despenalização que convergem com os objetivos da República e da Constituição Federal.

Importante lembrar que neste julgamento não foram tratadas as regras semelhantes previstas nos §§ 1º ao 5º do art. 83 da Lei nº 9.430/96, incluídas pela Lei nº 12.382, publicada em 28/02/2011.

Em resumo, a Lei nº 12.382/2011 criou regra mais gravosa, ao dispor que o efeito suspensivo do parcelamento somente ocorrerá se o pedido tiver sido formalizado antes do recebimento da denúncia penal.

Mas como se trata de regra mais severa, não pode ser aplicada retroativamente, a teor do que dispõe a garantia prevista no inciso XL do art. 5º da Constituição, pela qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Ou seja, a nova exigência é aplicável apenas para os débitos tributários cujos fatos geradores tenham ocorrido após a publicação da lei, em 28/02/2011.

E por força do princípio da legalidade penal, entendemos que o comando deve ser interpretado restritivamente, o que valida a exigência apenas para a hipótese de parcelamento. Assim, havendo quitação integral, ocorrerá a extinção da punibilidade, ainda que o pagamento tenha ocorrido após o recebimento da denúncia, nos termos autorizados pelo § 4º do referido art. 83.

Entendemos, enfim, que o STF decidiu de forma correta e de acordo com a Constituição Federal. A decisão foi bem fundamentada ao prescrever que “as medidas de suspensão e de extinção da punibilidade prestigiam a liberdade, a propriedade e a livre iniciativa ao deixarem as sanções penais pela prática dos delitos contra a ordem tributária como ultima ratio, em conformidade com o postulado da proporcionalidade e da intervenção mínima do direito penal”.

Com isso, o STF afastou interpretações que se qualificam como preponderantemente punitivistas e que, se acolhidas, resultariam em um injusto desestímulo para os acusados por crimes tributários adimplirem as suas obrigações tributárias.

* Advogado, com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba).

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[1] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2691501