Tributação federal das subvenções: mais um exemplo de insegurança jurídica

Por: Daniel Prochalski*

 

O caos normativo e jurisprudencial envolvendo a tributação federal das subvenções públicas não é, obviamente, o único existente no país, mas se constitui em mais um claro exemplo dos problemas fiscais brasileiros, que retiram a competitividade das empresas pela grave imprevisibilidade, resultando em odiosa insegurança jurídica decorrente desse contexto.

Embora possam existir também na legislação de outros tributos, como o IPI, por exemplo, neste artigo trataremos especialmente das subvenções no âmbito do ICMS, nas quais estão centradas as maiores discussões atualmente, tanto na legislação como perante o Poder Judiciário.

Inicialmente, destacamos que existe uma diferença conceitual entre a “subvenção para custeio” e a “subvenção para investimento”.

Seguem as características básicas de cada espécie:

Custeio: é de uso livre pela sociedade, destinada a cobrir parcela dos custos ou despesas usuais da atividade econômica do subvencionado, podendo ser capitalizada ou distribuída aos sócios, na forma de dividendos. Por esta razão, normalmente sempre esteve sujeita a todos os tributos federais: IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

Investimento: os recursos não são disponíveis aos sócios, devendo ser destinada à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, conforme previsão contida na respectiva lei estadual concessiva. Esta subvenção deve ser contabilizada em conta de reserva de lucros destinada a incentivos fiscais. Como são qualificadas como receitas pela legislação contábil, os valores compõem o resultado, mas poderão ser excluídos do lucro real ou da base de cálculo do PIS e da COFINS, caso a empresa comprove o cumprimento dos requisitos legais, atualmente previstos na Lei Complementar nº 160/2017 e no art. 30 da Lei 12.973/2014, e que serão analisados adiante.

Esta distinção, contudo, possui relevância atualmente apenas para efeitos fiscais. É que do ponto de vista estrito da ciência contábil, todos os ingressos que aumentam o patrimônio líquido, e desde que não tenham origem em contribuições dos próprios sócios, são considerados receitas, compondo o resultado.

Assim, sob a atual perspectiva contábil – após o advento da Lei nº 11.638/2007 – toda subvenção se qualifica como uma receita, independentemente do tipo de incentivo concedido. Nesse sentido são as prescrições contidas nos pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (grifos nossos):

CPC 00 (R2)[1]: “4.68 Receitas são aumentos nos ativos, ou reduções nos passivos, que resultam em aumentos no patrimônio líquido, exceto aqueles referentes a contribuições de detentores de direitos sobre o patrimônio.”

CPC 47[2]: “Receita – Aumento nos benefícios econômicos durante o período contábil, originado no curso das atividades usuais da entidade, na forma de fluxos de entrada ou aumentos nos ativos ou redução nos passivos que resultam em aumento no patrimônio líquido, e que não sejam provenientes de aportes dos participantes do patrimônio.”

Estabelecida esta premissa sob a perspectiva contábil, passemos a um breve resumo histórico da legislação federal que tratou da tributação das subvenções.

O art. 38 do Decreto-Lei nº 1.598/77 trata das importâncias que não são computadas na determinação do lucro real, devendo ser creditadas como reservas de capital. O § 2º deste artigo, na redação dada pelo Decreto-lei nº 1.730/1979 (revogado pela Medida Provisória nº 1.185/2023), tratava especificamente das “subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e as doações, feitas pelo Poder Público”, as quais não seriam computadas na determinação do lucro real, desde que:

a) Fossem registradas como reserva de capital, que somente poderia ser utilizada para absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social, vedada a distribuição aos sócios; ou

b) Sejam feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do contribuinte e utilizadas para absorver superveniências passivas ou insuficiências ativas.

A partir destes dispositivos, a Receita Federal emitiu o Parecer Normativo CST nº 112/1978, que distinguiu o conceito de subvenções para custeio das subvenções para investimentos, nos termos acima mencionados, e estabeleceu restrições para a não tributação, tais como:

a) As subvenções para custeio integram o resultado operacional da pessoa jurídica, enquanto as subvenções para investimento, o resultado não operacional;

b) As subvenções para investimento exigem a intenção do subvencionador de destiná-las para esse fim, bem como a sua efetiva aplicação nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado;

c) As subvenções para investimento, se registradas como reserva de capital não serão computadas na determinação do lucro real, desde que obedecidas as restrições para a utilização dessa reserva, como, por exemplo, a vedação de sua distribuição aos sócios.

O art. 18 da Lei 11.941/2009 estabeleceu regras para manter a neutralidade tributária em virtude da inclusão das subvenções no resultado contábil, em relação ao advento da Lei 11.638/2007, como, por exemplo, a obrigação de manter os valores em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404/76, sob pena de sua inclusão no lucro real.

Para alinhar-se às normas contábeis, a Lei nº 12.973/2014 estabeleceu que as subvenções para investimento são registradas como receitas, mas não se sujeitam à incidência de tributos federais desde que cumpridas as exigências fiscais:

a) O art. 30 consignou que as subvenções para investimento não serão computadas para fins de determinação do lucro real desde que sejam registradas na já mencionada conta reserva de incentivos fiscais, somente podendo ser utilizadas para absorção de prejuízos ou aumento de capital.

b) Em relação ao PIS e à COFINS, os arts. 54 e 55 alteraram as Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, dispondo que não integram suas bases de cálculo as subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Posteriormente, a Lei Complementar nº 160/2017, em seu art. 9º, inseriu no art. 30 da Lei nº 12.973/2014 os §§ 4º e 5º, prevendo que os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS são sempre considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos no caput de tal dispositivo, e que essa regra deve ser aplicada, inclusive, aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.

E o art. 10 estabeleceu os §§ 4º e 5º do art. 30 da Lei 12.973/14 aplicam-se ainda que os incentivos de ICMS tenham sido concedidos em desacordo com o art. 155, § 2º, XII, “g” da CF – ou seja, mesmo que sem a aprovação pelo CONFAZ – por lei estadual publicada até a data de início dos efeitos desta lei complementar, desde que atendidas as exigências de registro e depósito previstas no seu art. 3º.

Importante destacar ainda que a LC 160/17 dispensou a exigência, normalmente feita pela Receita Federal em autuações, da sincronicidade entre o recebimento da subvenção para investimento e sua aplicação na implantação ou expansão do empreendimento, o que se revela descabido especialmente em caso de implantação de investimento, uma vez que o ICMS somente passa a ser devido após o início das operações.

No entanto, em que pese a clareza das disposições legais, a Receita Federal continuou restringindo o direito das empresas, exigindo requisitos não previstos em lei, como a negativa de vigência ao §4º do art. 30 da Lei nº 12.973/2014, como se vê, por exemplo, da Solução de Consulta COSIT nº 145/2020 e da Solução de Consulta COSIT nº 15/2022.

Esse contexto de insegurança jurídica fez com que muitas empresas buscassem o Poder Judiciário, o que resultou em uma intensa construção jurisprudencial, da qual destacam-se os seguintes julgamentos:

a) STJ – ERESP 1.517.492: analisando fatos anteriores à LC 160 2017, decidiu que a tributação pelo IRPJ/CSLL sobre créditos presumidos de ICMS fere o pacto federativo.

b) STJ – ERESP 1.462.237: mesmo depois da LC 160/17, é irrelevante que o ERESP 1.517.492 tenha julgado a questão apenas no regime do lucro real, uma vez que, mesmo no lucro presumido, a tributação pelo IRPJ/CSLL sobre créditos presumidos de ICMS também fere o pacto federativo.

c) STJ – Edcl no AgInt no RESP 1.872.146: não cabe à União invocar a decisão do ERESP nº 1.210.941 – que decidiu pela inclusão do crédito presumido de IPI (tributo também federal) na base de cálculo do IRPJ/CSLL – uma vez que no ERESP 1.517.492 a decisão afastou a tributação do IRPJ/CSLL em virtude de ofensa ao pacto federativo, porque, naquele caso, o crédito presumido era de imposto estadual/ICMS.

d) STJ – Tema 1.182 (RESP nº 1.945.110 e RESP nº 1.987.158): estabelece as regras para exclusão de todos os outros benefícios da base de cálculo do IRPJ/CSLL (como redução da base de cálculo, isenção parcial ou total). A empresa deve cumprir as condições do art. 30 da Lei 12.973/14 para a não tributação, ou seja apenas se os valores foram contabilizados em reserva de incentivos fiscais, sem disponibilização aos sócios; assim, a Receita Federal não pode exigir sincronicidade, se o Estado exige contrapartida, se os recursos estão sendo aplicados no ativo permanente, ou se o incentivo foi aprovado pelo Confaz.

No STF, o julgamento no RE 835.818, ainda não finalizado, decidirá sobre a possibilidade de exclusão dos créditos presumidos de ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.

Como se não bastasse a postura da Receita Federal, o atual governo, com o pretexto de zerar o déficit fiscal, ao invés de tomar medidas de corte de gastos, vem tomando várias medidas abusivas, com finalidade exclusivamente arrecadatória.

Dentre elas, em 30/08/2023 foi editada a Medida Provisória nº 1.185, posteriormente convertida na Lei nº 14.789, publicada em 29/12/2023, alterando substancialmente o regime jurídico da tributação federal sobre as subvenções para investimento, para as empresas sujeitas ao lucro real.

Destacamos as regras principais da nova lei, com efeitos a partir de 01/01/2024:

a) Revogação dos dispositivos que afastavam a tributação das subvenções sob determinadas condições que, assim, passam a integrar a base de cálculo do IRPJ/CSLL e PIS/COFINS;

b) A empresa que receber incentivos fiscais terá direito a apurar um crédito, o qual poderá ser compensado com tributos federais ou ressarcidos, calculado mediante a aplicação da alíquota do IRPJ e respectivo adicional, em um total de 25% (não havendo direito, portanto, a crédito relativo à CSLL), sobre os incentivos recebidos, para os quais agora caberá à Receita Federal decidir pela sua qualificação como subvenção para investimento;

c) A utilização do crédito dependerá de análise a ser feita pela Receita Federal, mediante habilitação do contribuinte, para o que será necessário que o ato concessivo da subvenção seja anterior ao início da implantação ou expansão do empreendimento e fixe de maneira precisa as contrapartidas a serem observadas pela empresa;

d) Exclusão da reserva de incentivos fiscais decorrentes de doações ou subvenções da base de cálculo dos juros sobre capital próprio.

Entendemos, contudo, que as empresas poderão discutir judicialmente as novas regras advindas com a Lei nº 14.789/23.

As novas regras não afastam, por exemplo, a ilegitimidade da cobrança para as empresas que recebem créditos presumidos de ICMS, uma vez que o STJ, no ERESP 1.517.492, firmou entendimento de que a tributação pelo IRPJ/CSLL fere o pacto federativo, tese que continua válida perante a nova lei.

E com relação às subvenções para investimento, como exemplo de sólido fundamento jurisprudencial, e ainda que não trate exatamente da mesma matéria, cite-se o entendimento do STF contido no RE nº 606.107, julgado em 22/05/2013 sob o regime da repercussão geral, e que decidiu pela inconstitucionalidade da incidência da contribuição ao PIS e da COFINS não cumulativas sobre os valores auferidos por empresa exportadora em razão da transferência a terceiros de créditos de ICMS. No item V da ementa a Suprema Corte assentou que (grifos nossos):

“V – O conceito de receita, acolhido pelo art. 195, I, “b”, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento, aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833/03 (art. 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não cumulativas sobre o total das receitas, ‘independentemente de sua denominação ou classificação contábil’. Ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições.”

Ou seja, o fato de as subvenções para investimento serem contabilmente qualificadas como receitas não resulta, necessariamente, na conclusão de que sejam tributáveis.

Concluímos, assim, que tais subvenções não se constituem em receitas para incidência das contribuições ao PIS e COFINS, assim como não representam o acréscimo patrimonial necessário à incidência do IRPJ e da CSLL, uma vez que são valores recebidos mediante contrapartidas e condições.

 

*Advogado (OAB/PR nº 22.848), com atuação nas áreas de Direito Tributário e Societário; Especialista em Direito Tributário e Processual Tributário (PUC-PR). Mestre em Direito Empresarial / Tributário (Unicuritiba).

 

[1] https://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=80

[2] https://www.cpc.org.br/CPC/Documentos-Emitidos/Pronunciamentos/Pronunciamento?Id=105

 

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